O Xadrez e a Música

segunda-feira, abril 23, 2007

FILTRO D´AMÔR (PARTE V)


Procópio Profundo, o dono da loja A Boa Harmonia







* * * * * *


CENA IX

Isabel, Procópio, Manivela, Carlos e Figurantes


Carlos (entrando da rua com Figurantes meninas) - Como está, amigo Procópio? (apertam as mãos)
Figurante – Adeus, Sr. Manipanço.
Manivela - Manivela, Manivela.
Figurante - Desculpe. É tão parecido!
Manivela (levando a mão ao rosto) - Sou parecido…
Figurante – Não é o Sr.. O nome é que é.
Manivela - Pois em vez de Manivela o melhor é chamar-me Artur, que é a minha graça.
Carlos – Então, adeus ó Ártur.
Manivela - O Sr. Carlos traz hoje grande comitiva. Vão já para o Teatro ?
Carlos - Esperamos a Lúcia. Marcou o encontro para aqui.
Manivela (para Figurantes, em aparte ) - É só para fazer pirraça à Isabelinha.
Carlos - O Sr. Procópio não deixa de ir ao sarau...
Procópio - Os organizadores não foram muito gentis...
Isabel (atalhando) - Vamos, vamos, já temos os convites...
Manivela - Se o meu patrão não ia... ouvir a tal música séria, como ele diz, a mim é que não me interessa. Para mim, só o Fado!
Figurante - Aaaah, é fadista ?
Manivela (entusiasmado) - Se sou. Estas duas sílabas dizem tudo. (destacando) Fa...do. O Fa...do (vendo que Procópio está a olhar, finge que canta notas musicais) …fá… dó… lá… dó... sol...
Procópio – Pára lá com o solfejo e vai arrumando a loja que são horas de fechar.
Lúcia (entrando como um furacão) – Oh, Carlos, isto é que são horas? Farta de esperar que me fosse buscar a casa…
Carlos - Então a Lúcia não disse para virmos ter aqui ?
Lúcia - Eu? Está a sonhar…
Carlos (arreliado) - Ora essa. Quando nos despedimos não disse: Estamos todos na Boa Harmonia?! Boa Harmonia é o nome da loja do Sr. Procópio.
Lúcia (rindo) – Ai, que engraçado. Queria eu dizer que entre nós reinava a melhor harmonia. Boa Harmonia, isto ? Então você quer que um contrabaixo de filarmónica (aponta Procópio), uma corneta de comboio (aponta Isabel) e um berimbau sem palheta (aponta Manivela), formem alguma harmonia que preste ? (sai entre grandes risadas com as Figurantes) – Ah Ah Ah!!!...
Carlos (contrariado) - Desculpe, Sr. Procópio... a Lúcia excede-se por vezes. Ainda acabo por me zangar a sério com ela.
Procópio (muito sério) - Os insultos não nos atingiram. Deixe, Carlos, não se preocupe. Todos sabemos a falta que faz o chá. E aquela, apesar de Lúcia Lima, não sabe o que isso é. (Vai para a porta com Carlos, que sai).


CENA X

Isabel, Procópio, Manivela e Júlio


Júlio (entrando) – Então, Tio, houve questão com a Lúcia? Ela não é má pequena de todo.
Procópio (olhando de soslaio) - Ah não?! Pois guarda-a para ti. (Para Manivela) - Bom. São horas de fechar. Toma lá a chave. Se amanhã eu descer um pouco mais tarde, abres a loja. Até amanhã. (Para Júlio) - Tu não vens?
Júlio - Vou já, Tio.
Isabel - Até logo, Júlio. Adeus Manivela, até amanhã (saem Procópio e Isabel pela D. B.)
Júlio - Com que então o papagaio é que nos salvou, ahn?! Não o tenho ouvido.
Manivela - Aquilo a dona, assim que o apanhou curado, tirou-o logo para dentro. Sempre a mezinha fez efeito.
Júlio - Assim fizesse logo.
Manivela - Pode estar descansado. (Vai à gaveta do balcão e tira um frasco) - Aqui esta o remediozinho. E isto é a cura (mostra o outro frasco).
Júlio - Vê lá, não leves a cura em vez da doença.
Manivela - Isso sim, não vê o rótulo? (mostra)
Júlio – Gargantol I. Fixe.
Manivela – E este, Gargantol II, é que é a cura. Vai aqui para a gaveta. (mete-o na gaveta e guarda o outro na algibeira).
Júlio - Podes ir-te embora e fecha a porta. Eu já lá vou ter, ao Teatro, conforme combinei com o Hilário. Custou a convencer, o negregado...
Manivela - Ainda fica?
Júlio – Fico.
Manivela - Então até logo e afine essa goela.


CENA XI

Júlio


Júlio (monologando) - Ora se os planos não falham, o Carlos vai ter uma rabiada (rindo) - Ah, Ah, Ah. Mas tem que rabiar em silêncio. Destas só lembram ao Manivela. Mas se não é o tal Hilariante, não sei como seria a coisa. Mas assim, com amigos dentro da fortaleza… (vai à gaveta e tira o frasco) - Cá está o tal contra-veneno. É verdade, e o outro não será veneno? Ora, o papagaio tomou-o e não morreu. Ora se o Pinocchio escapou, também não morre o Carlos. O diabo é se o remédio ainda é fraco para ele. Goelas de papagaio é uma coisa, mas o Carlos que tem goelas de pato? (pausa) - O Manivela deve ter-se informado com o Basalicão. A esta hora já o Carlos deve ter a jeropiga no bucho. E ainda assim o Manivela se não arrependa, vou esconder o cura-mudos. (Sai pela D.B., levando o frasco do Gargantol II).

sexta-feira, abril 13, 2007

FILTRO D´AMÔR (PARTE IV)


Um disco brasileiro para grafonola à venda aqui na loja A Boa Harmonia, especialmente dedicado ao leitor/a brasileiro/a deste Blog que aqui entrou procurando "discos para grafonola". Calcule... tem Internet e ainda usa grafonola! Caso não lhe agrade este, é só dizer, que o Manivela vai buscar mais ao armazém... :))






* * * * * *

CENA VI

Basalicão, Hilário, Manivela e Isabel


Basalicão – Olhem que já mo tinham dito mas só acreditei quando vi o programa. Vai a Lúcia cantar ao Sarau e não convidaram a Isabelinha!
Hilário - Eu ouvi lá falar numa D. Isabel. Houve pedidos pela outra.
Manivela - A menina Isabel é filha cá do meu patrão. Uma cara linda e uma voz maravilhosa.
Hilário – Ah, é filha ?! Se eu tivesse sabido antes... que é uma toleirona essa tal Lúcia...
Manivela - Lúcia Lima.
Hilário - Lúcia Lima toma-se em chá pare as dores de barriga, não é, amigo Basalicão?
Basalicão – É, é. Ela como tem medo que a Isabel a ofusque, moveu grandes influências para a pequena ficar de parte. Schiu! Ela aí vem...
Isabel (Entrando pela D.B.) - Adeus Sr. Basalicão.
Basalicão – Adeus, menina Isabel. Sempre linda, mas triste, de há uns tempos para cá.
Isabel - Isso é desconfiança sua (Reparando no Hilário) - este Senhor... (Olha interrogativa para Manivela)
Manivela - O Sr. Hilário Hilariante, que nos veio vender umas músicas. Olhe, vá ver à montra.
Hilário - São tudo novidades, minha Senhora.
Isabel – Ah, sim ? Vou ver. Dirige-se à montra donde tira as músicas e vai passando) Olha que engraçado: a Canção do Tiro-Liro. Tu sabes como se dança, Manivela ?
Manivela - Eu não, senhora.
Hilário – Ó amigo Manivela, parece mentira. É muito fácil. (Vai trauteando e acompanhando com os gestos próprios, para ensinar ao Manivela que olha com grande atenção) - Lá em cima está o Tiro-Liro-Liro, etc, etc….
Manivela - (Tentando reproduzir) Lá em cima está o Tiro, etc. (Faz os movimentos todos trocados. Hilário torna a explicar. Basalicão e Isabel já dançam por seu lado.)
Isabel - Então ainda não aprendeste, Manivela? É tão fácil.
Manivela – Já sei, já sei, quer ver? (Põe-se a cantar e a dançar o Tiro-Liro).




CENA VII

Os mesmos e Procópio, depois Júlio


Procópio (entra pela D. B. deixando a porta aberta e fica a olhar Manivela que está a dançar o Tiro-Liro).
Manivela (reparando no Patrão fica atarantado e começa fingindo que procura qualquer coisa, pela casa toda).
Procópio - Que diabo perdeste tu?
Manivela (gaguejando) - Era... era… uma semifusa...
Procópio – Hein?
Manivela (atarantadíssimo) – Uma… uma… clave….
Procópio - Perdeste uma clave ?!
Hilário (Vindo em auxílio de Manivela) - Eu explico: é uma clave de Sol que eu costumo usar na gravata, um alfinete. Pensei que o tinha perdido mas agora me lembro que não o pus...
Procópio – Ah, era coisa sua; desculpe! Manivela, vai ali fechar a porta. (Para Hilário, em aparte) O meu empregado é assim, um pouco maníaco. (Manivela fecha a porta à chave e volta). Então, segundo me parece, o Sr. também é músico!
Hilário (Apresentando-se) - Dos pés à cabeça. Hilário Hilariante, representante da Rabeca Mágica.
Procópio - Não tenho a honra, conheço é a Flauta Mágica, de Mozart.
Hilário - A nossa casa é de recente fundação, mas marcha já na vanguarda. Vim hoje para apresentar as nossas últimas edições e mal avistei a sua loja o coração deu-me um baque...
Procópio (Confundindo) - Bach, diz muito bem, meu caro Sr. podia mesmo ter dado um Schubert, Beethoven ou Wagner, pois que a minha casa é o santuário desses inimitáveis mestres. Ó quanta glória passada, nos tempos em que não era qualquer que se atrevia a pisar um palco, a cantar essas páginas onde perpassa o verdadeiro génio...
Hilário - Ah, o Sr. cantou ?
Procópio - Acaso ignora o meu nome ? (Com ênfase) - Eu sou Procópio Profundo !
Hilário - O célebre Baixo !
Procópio - Em carne e osso !
Isabel - Então Papá, não sejas imodesto.
Procópio - Qual imodesto. A verdade deve dizer-se. E as testemunhas estão perto. Ali o amigo Basalicão decerto ainda não esqueceu esses tempos.
Basalicão - Nem nunca esquecerei, amigo Procópio. Era na minha farmácia que você se ia aviar qundo andava mal da garganta. Por sinal, até me ficou a dever uma dúzia de pastilhas de mentol.
Procópio – O que lá vai, lá vai! Isso é para compensar as vezes que você me impingiu água do contador por qualquer remédio caro.
Basalicão – Ó amigo Procópio, eu...
Hilário – Então! Não se vão zangar agora...
Procópio - Sim o momento não é de discórdia, é de evocação. Que grandes noites de arte...
Hilário - (Indo buscar as músicas que Isabel deixou à vista) - Inda bem, meu caro amigo, que o Sr. é não só um entusiasta, mas um. verdadeiro artista. (Vai-lhe estendendo as músicas)
Procópio (sem ver logo as músicas) – Não, apenas um entusiasta, mas sincero, fervoroso! Para mim a música é tudo. Bem entendido, aquela música séria, honesta, bela, enfim, aquela Música que se escreve com M grande. (Hilário vai encolhendo as músicas que queria mostrar). Quanto a esses Tangos lamechas e Foxes selvagens que hoje para aí se usam, de bom grado mandaria guilhotinar quem os faz, fuzilar quem os executa e enforcar quem os vende. Felizmente em minha casa nunca entrou esse escalracho.
(Manivela e Hilário têm dado os mais vivos sinais de inquietação e este último tenta esconder os números de música que tem na mão, mas Procópio agarra-os)
Procópio (Agarrando as músicas, ainda na mão de Hilário) Ora vamos lá a ver o que me traz.
Hilário (Resistindo) - Não merece a pena, talvez... O Sr. não estará ocupado ?
Procópio - Não. Desculpe-me toda esta conversa antes de o atender. (Tira as músicas, vai vendo e dando mostras de grande furor .Valsas? Foxes, Tangos, pepineiras, maluquices ? (Crescendo pera Hilário) E o Sr., veio vender-me isto ?
Hilário (Fazendo-se forte) - Perdão! O Sr. Manivela já se comprometeu a comprar-me esses números mesmo!
Procópio - A comprar? Comprometeu? Não estou em mim! Com que autoridade? Quem é o dono da casa? Quem é aqui o patrão, (Batem à porta D.B.) - quem é?
Júlio (De fora) - Sou eu!
Procópio (Para Manivela) - Vai abrir.
Júlio (Entrando) - O Tio desculpe se interrompi. Não é costume estar fechada (aponta a porta).
Procópio (Para Manivela) - Não te tenho já dito que não quero a porta fechada quando eu cá não estou ?
Manivela - Mas o Sr. está…
Procópio – Estou, mas podia não estar…
Júlio (Para Procópio) - Mas que aconteceu? O Tio parece estar exaltado.
Procópio – Não, já estou calmo. (Para Manivela) - Nós depois falaremos. (Para Hilário) - E você, seu caixeiro viajante das dúzias, que tem o desplante de se dizer músico, que tem a audácia de usar uma clave de Sol espetada na gravata, que tem o arrojo de usar gravata pendurada ao pescoço e que tem a sorte de ainda ter o pescoço pegado ao corpo, não o mando, a você e à sua Rabeca Mágica, pentear macacos, porque estou convencido que isso é uma coisa que você já faz todas as manhãs ao levantar-se (Vira-lhe as costas).
Hilário (Furioso) - Alto lá, seu Procópio. Você está a chamar-me macaco e isso é demais, não consinto. Ainda me calei quando você mostrou desejos de me cortar a cabeça; agora quer o rabo, é demasiado. Protesto!
Procópio - Pois então vá protestar lá para fora, que não o quero ver aqui nem mais um momento.
Hilário - Vou, porque não lhe quero faltar ao respeito diante da Senhora sua Filha. Mas deixe estar você, seu Procópio Profundo que eu, Hilário Hilariante, Chefe da Publicidade do Teatro Folias Brejeiras, não me hei-de esquecer de gabar a sua voz. Hei-de dizer que ela é tão baixa, tão baixa, que para a gente a ouvir - e aplaudir – só de cócoras! (Sai pelo F.E.)
Procópio (Correndo para a porta) – Ah, tratante! (Fica fazendo gestos furiosos para fora).




CENA VIII

Isabel, Procópio, Júlio e Manivela


Isabel (Olhando para o pai) - Então Papá, não se exalte mais. Bem sabe que isso lhe faz mal.(Ficam falando baixo).
Júlio (Para Manivela) – Mas afinal quem é esse tipo que saiu?
Manivela - É do Teatro Folias Brejeiras. Está nas mãos dele a partida a fazer ao Carlos.
Júlio - Então achaste? O que é?
Manivela - Não há tempo. Uma coisa para enrouquecer. Veja se encontra esse tal Hilário e se o convence. Ele explica-lhe melhor.
Júlio - Vou já tratar disso. Até logo, Tio ( Sai por F.E.).
Procópio (Que tem estado a falar baixo com Isabel) - Até logo. (Para Manivela) - Ora vamos lá a saber...

(continua)

domingo, abril 08, 2007

FILTRO D´AMÔR (PARTE III)







CENA V


Manivela, depois Hilário, no fim Basalicão


Manivela - E é que vou mesmo dar à manivela. (Põe-se a dar corda à grafonola e a tocar um disco. Senta-se pensativo)

Hilário (Entrando pelo F.E. com uma grande pasta e um maior à-vontade). Muito bons dias, meu caro senhor.

Manivela (Parando a grafonola e Aparte) - Lá vem este interromper-me a cogitação. (Alto) - Passou bem?

Hilário - Permita-me V. Ex.ª, que me apresente (Estende um cartão de visita, tipo comercial)

Manivela (Lendo) - Hilário Hilariante, representante da Rabeca Mágica.

Hilário - Tal qual. E venho, em nome dessa importante empresa, apresentar-lhe as nossas últimas edições. Sucessos, só sucessos. (Vai abrindo a pasta e tirando músicas) - Ora tenha a bondade de ver.

Manivela – Mas, meu caro senhor...

Hilário (Atalhando rápido) - Perdão, queira V. Ex.ª. apreciar: (Lendo os tftulos das músicas) - A Dança dos Gansos, Balalaika, Canção do Tiro-Liro, Argentina... A novidade dos nossos produtos atinge o mais alto da escala e, quanto a preços, pode V.Ex.ª ficar certo de que transportamos sempre uma Oitava abaixo.

Manivela - Não digo que não, mas...

Hilário (interrompendo) - Portanto pode V. Ex.ª. escolher sem receio...

Manivela (que várias vezes tem tentado falar sem resultado, solta um berro) - Oohh!!!

Hilário (cala-se de súbito.)

Manivela - O que me admira é que você sendo caixeiro viajante de músicas, não sabe o que é uma pausa.

Hilário - Então não sei? Eu...

Manivela (Interrompendo por sua vez) - Então se sabe, faça uma. E pode ser mesmo a pausa final. Eu não sou o dono da casa.

Hilário (Sem fazer reparo) - Folgo muito, folgo muito... (Caindo em si, de súbito) - Não é o dono... porque não disse você isso logo?

Manivela - Você não me deixou. Estava a falar a solo.

Hilário - E você não está autorizado a comprar?

Manivela (Abana negativamente a cabeça.)

Hilário (Coçando a cabeça, faz uma pausa. Depois com uma determinação rápida) Pois então faça uma coisa. Exponha uns números destes na montra. Isto é sem compromisso. E não se dirá que foi em vão que visitou esta casa Hilário Hilariante, representante da Rabeca Mágica e Chefe da Secção de Publicidade do Teatro Folias Brejeiras.

Manivela (Subitamente inspirado) - O senhor disse do Teatro Folias Brejeiras ?

Hilário - Com muita honra.

Manivela (Como se lhe tivesse saído a sorte grande) - Pois amigo Hilariante, estimo muito conhecê-lo! (Estende-lhe a mão)

Hilário (Apertando a mão do outro) - Como passou? E a família como está? Sua esposa ?

Manivela - Eu sou solteiro.

Hilário - Ah, desculpe. (Silêncio) - Mas de que estávamos nós a falar?

Manivela (Muito sério) - Como tive a honra de lhe dizer, tenho muito prazer em travar conhecimento consigo. (Apresentando-se) Eu sou Artur Manivela.

Hilário (Ouvindo mal) - O senhor disse Artur...

Manivela - Manivela!!!

O Papagaio (dos bastidores) - Ó Maniveeeeela!!! (prolongando a sílaba "ve")

Hilário (Surpreendido) - Ainda não tinha dado por tal, mas parece-me que esta casa tem uma certa ressonância.

Manivela - Tem, tem… mas agora que nos conhecemos…

Hilário - Eu sou Hilário...

O Papagaio (dos bastidores, interrompendo) – Ó boticáááário!!! (Prolongando a sílaba cá)

Hilário (Olhando em redor, desconfiado) – É extraordinário...

Manivela - Não dê ouvidos. É um papagaio. Quando lhe apetece, vá de chamar-me e ao farmacêutico ali da frente. É uma seca.

Hilário - Bom. bom. Mas íamos nós dizendo...

Manivela – Não é no teatro Folias Brejeiras que hoje canta o Carlos Saldanha?

Hilário - Pois é. Não viu os programas?

Manivela (Decidido) - Vi sim. É preciso que ele não cante e conto consigo.

Hilário - Para cantar?

Manivela – Não. Para o impedir de cantar a ele. E prometo-lhe que a casa lhe compra as suas novidades. Olhe já aqui as vou pôr na montra. (Leva as músicas para a montra).

Hilário (abanando a cabeça negativamente) - Nada, não pode ser. Era um descrédito para a empresa. Um sarau de gala, vão entidades oficiais, diplomatas, a nossa primeira sociedade... Não pode deixar de realizar-se o espectáculo.

Manivela - Mas quem lhe diz que não se realiza ??

Hilário - Sem Tenor?

Manivela - Arranjava-se outro. Ia o Júlio Perfeito. Não conhece ?

Hilário - Tenho ouvido falar. Mas será ele tão bom como o Carlos?

Manivela (Aparte) - Aí é que a porca torce o rabo. (Alto) É, é,...diz ele.

Hilário - Hein ?

Manivela -Digo que sobre esse assunto não tenha receio.É até melhor.

Hilário - E ele saberá o papel que tem de desempenhar?

Manivela (Sorridente) - Na ponta dos dedos. (Preocupado) O ponto lá do teatro é bom ?

Hilário - Um ponto... de exclamação, meu amigo!!!

Manivela - Então não há novidade.

Hilário - E as musicazinhas ficam ?

Manivela - Negócio arrumado.

Hilário - Pois estamos de acordo. O Carlos não canta.(Pausa) Mas não canta porquê ?

Manivela (Após um silêncio) - É verdade, ainda não se arranjou maneira de impedir... Puxe você também pela mioleira, seu Hilário.
(Ficam ambos pensativos)

Hilário - Não há maneira...

Manivela - Puxe, puxe...

Hilário (Sorridente) - Ah…

Manivela - O que é, o que é?

Hilário (Vai a dizer mas... compungido) - Esqueci-me…

Manivela (Faz um gesto contrariado. Outro silêncio. )

O Papagaio – Ó Manivela !

Manivela (Súbito) - Eureka !

Hilário - Agarre, agarre!

Manivela- Já agarrei e estamos salvos, Salvos pelo papagaio.

Hilário - O quê ? Vai cantar o papagaio ?

Manivela - Nada, nada. É que eu quando quero que o maldito papagaio se não ouça, dou-lhe um remediozinho que me fornece ali o Basalicão. Fica rouco para mais de três dias. Fazemos o Carlos tomar uma pinga e pronto. (Apontando a própria cabeça) Então saiu ou não saiu?!

Hilário - Pois saiu. Mas isso não será veneno? Não poderá tirar a voz ao rapaz ?

Manivela - Isso sim, pergunte ali ao Basalicão. (Mexendo na garganta) O mal é temporário e também tenho outro remédio que faz a voz voltar quase instantaneamente. É o que dou ao bicho quando a dona me ameaça com a polícia.

Hilário - Tenho as minhas dúvidas e hei-de informar-me com o Basalicão. Entretanto você jura-me que toda essa história não me mete em sarilhos?

Manivela (estendendo a mão) - Palavra de Manivela.

(Apertam as mãos e vão fazendo o movimento rotativo da manivela).

(Segue o terceto cómico)

Terceto Cómico

Manivela - Dando à manivela
vivo sem cuidados


Hilário - E eu sem mais aquela
impinjo os meus fados.


Ambos - Quando é fixe, a malta
faz um figurão


Manivela - Sabe quem cá falta?


Basalicão (entrando pelo F.E.) - O Basalicão.


Basalicão - Adoro a soneca
e os bons petiscos.


Manivela - E eu cá na lojeca
vou tocando discos.


Ambos - O nosso elixir
é extraordinário.


Basalicão - Quem rebenta a rir?


Hilário - É cá o Hilário.

Hilário - Não há quem me vença
na Publicidade.


Basalicão - Livro da doença
a Humanidade.


Ambos - Papagaio real,
que tens na goela?


Hilário - Fizeram-lhe mal...

Manivela - Foi o Manivela.


TODOS (Marcação própria -
Fazem roda - dois fazem
arco dando as mãos e
o outro passa por baixo.) -


Somos todos três
feitos de igual massa
passa tu uma vez...
repassa, perpassa.


(Fazem roda, acabando
por se abraçarem todos
três em cacho.)


Haja bródio e festa
saúde, alegria.
Seja manifesta
a Boa Harmonia!

(continua)

quarta-feira, abril 04, 2007

FILTRO D´AMÔR
(PARTE II)



CENA III

Manivela, depois Basalicão


Manivela - Eu badalar... sou mais mudo...(Levando a mão à testa) Ora o boticário que ainda me não trouxe a xaropada. (Vai à porta da rua e chama): - Ó seu Basalicão! (pausa) Ó vizinho Basalicão! (Aguarda um momento e vai dando passagem)
Basalicão - Você está impaciente, homem. Isto demorou porque teve que ser filtrado várias vezes.
Manivela - E dará resultado ?
Basalicão - Garantido!
Manivela - (tirando um pequeno frasco duma gavêta do balcão) Ainda aqui tenho isto (Lendo o rótulo) – GARGANTOL – 1º - Para tomar às colheres de pau. (Rindo) Ah Ah Ah!!
Basalicão – O rótulo é para disfarçar (entrega-lhe o 2º frasco, que traz, e recebe o 1º). Agora leia.
Manivela – (lendo o rótulo do 2º frasco)- GARGANTOL - 2º - Ajeite quando usar. Ah, Ah!, ajeite é muito boa, seu Basalicão.
Basalicão – (Olhando o conteúdo do 1º frasco) - Você chegou-lhe uma dose forte, ahn?
Manivela - Se lhe parece. O maldito papagaio estava todo o santo dia: (imitando) Ó Manivela, ó Manivela! (alto) - Pedi à vizinha para o mudar para o saguão; ia-me comendo. ”Eu, tirar da janela o meu Pinocchio?” que o papagaio era muito seu, e desde que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, sempre se têm visto papagaios pendurados nas janelas.
Basalicão – Vá lá responder a uma dessas.
Manivela - Foi então que pedi o seu concurso, amigo Basalicão! Foi remédio santo. Misturei-lhe a droga na paparoca e há 3 dias que o papagaio se não ouve. Está que parece uma rã (imitando) ââh, ââh...
Basalicão - Isto é seguro. Ataca de tal maneira a guela que só ao fim de muitos dias passa a rouqueira.
Manivela - Mas a dona parece que farejou que fui eu, fez barulho. ameaçou ir queixar-se à polícia, e tive que prometer que lhe curava o bicho.
Basalicão - Pois dê-lhe isso (aponta para o 2º frasco) que meia hora depois está bom. E é pena. Não tarda que o maldito recomece a meter-se com a vizinhança É cada grito! (imita) Ó boticário!!!...
Manivela - Tem que ser, senão entra a Polícia (Basalicão vai a sair). E deixe cá ver esse também, homem... ainda pode fazer falta.
Basalicão – (entregando o 1º frasco) - Mas não abuse, ahn! (Sai de cena Basalicão pelo F.E.)
Manivela - Ora vamos lá deitar esta mistela na comida do papagaio, a ver se o maldito recupera a fala (Sai igualmente pelo F.E.- porta da rua).



CENA IV

Júlio, depois Manivela



Júlio (entrando pela D.B. e não vendo ninguém) - Nem o pateta do Manivela, nem a sonsa da minha prima. A loja desamparada. Se agora entrasse o meu tio, havia de ser bonito. (pausa) E eu que preciso de falar ao Manivela (pausa) Ah! lá vem ele.
Manivela - (que volta da rua) - Boa tarde, Senhor Júlio.
Júlio - Onde é que estiveste metido para deixares a casa às moscas?
Manivela- Estive só aqui à porta, a dar este remédio (mostra o frasco) ao papagaio da vizinha - o Pinocchio - que está rouco.
Júlio - Bem. Venho lembrar-te a nossa combinação. Já achaste algum estratagema?
Manivela - Ainda nada, senhor Júlio; é muito difícil...
Júlio - Lembra-te bem do combinado. Bem sabes que a recompensa é boa.
Manivela - Eu bem queria. Mas se não arranjar maneira?!
Júlio - Tens de arranjar e é já para, hoje. (Tira um programa da algibeira) Cá está. (Lendo) Hoje, realiza-se no Teatro Folias Brejeiras um grande Sarau de Gala, etc., etc.. Olha os números: tal, tal; para terminar, o final da Opereta "Joujoux e Balangandans", cantado por D. Lúcia de Lima e pelo Sr. Carlos Saldanha, com coros. (Vai dobrando o programa). Ora isto é que é preciso evitar. Arranja as coisas de maneira que ele lá não possa ir cantar. Eu estou lá hora de começar e vou substituí-lo; e com vantagem.
Manivela (Aparte) - Com vantagem? Não me parece. (Alto) Eu pensei que talvez...
Júlio (Apressado) - Diz, diz...
Manivela - Talvez se se eonseguisse que a Dª. Lúcia não cantasse ele também lá não fosse!
Júlio – Não, isso não. E depois, quem a substituiria?
Manivela - A menina Isabel, por exemplo.
Júlio - A minha prima? Isso sim, é acanhada para aquilo. E mesmo não queria.
Manivela - Isso é que o senhor não sabe...
Júlio – Em vez da outra ? Elas estão a ferro e fogo. Não! A Lúcia tem de cantar, o Carlos é que não.
Manivela (Aparte) - O que tu queres é ir fazer figura ao lado dela. Também estás pelo beiço. (Alto) Isto é o diabo…
Júlio - Qual diabo! Já não é a primeira vez que tu tens ideias salvadoras. Procura. Manda-lhe um telegrama a anunciar a morte do tio rico que ele tem lá para o Norte.
Manivela - O quê? Se ele soubesse que lhe tinha morrido o tio rico, ainda cantava melhor…
Júlio - Não sei, resolve. Deixo o assunto nas tuas mãos. Quando voltar quero ter já o plano completamente urdido. Até logo. Vamos, homem, dá umas voltas à manivela, a ver se isso sai. (Sai pelo F.E.).

(continua)